Tudo em minha vida estava completamente bem. Talvez fosse esse o motivo de minha inquietude travessa e desnorteante. Todos os quadros estavam corretamente encravados nas paredes, lineares, simétricos, perfeitos. Era como se eu vivesse de atos impecavelmente ensaiados, como se eu recitasse falas minuciosamente escritas por classicistas. Até mesmo meus olhares eram regrados. Tudo milimetricamente em seu devido lugar. Era exatamente nesse cenário que o conflito se fazia real: naufragada nessa ordem descomunal estava a minha e só minha desordem. Nada daquela realidade fazia sentido a mim. Era como cantar ciranda e tocar o minuete. Vez ou outra eu me encontrava volvendo no balanço velho de uma árvore qualquer e percebia a tontura tomando conta de mim. Sentia um vento frio emaranhar minhas negras madeixas, sentia o vendo frio congelar meus sonhos de modo a me transformar numa pacata marionete presa pelas cordas de um velho balanço de madeira de uma árvore qualquer. Tudo estava completamente bem, era o que eu respondia quando me perguntavam como andava a carruagem. Se ousasse confessar que as notas se faziam dissonantes em minha partitura era repreendida instantaneamente. Era essa minha sorte: fazer o que me foi incumbido antes mesmo do meu nascimento. Vez ou outra corria àquela árvore qualquer para sentir o vendo varrer minha extensão corpórea, corria para sentir os raios de sol ternarem meu coração, para sentir alguma espécie de liberdade. Tolice! Por mais que eu girasse nunca sairia do lugar, as cordas eram implacáveis. Eu então voltava ao meu palco, acompanhada das minhas lágrimas. Tornava a recitar minhas falas e a atuar. Por mais que passassem as estações não havia como fugir, já tinham escrito tudo por mim, inclusive o ato final.
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Há 10 anos
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