Adrenalina

                                                           
O irônico é que ela sempre temeu montanha russa. Não que havia um trauma ou algo do gênero, toda a fobia resumia-se a medo e nada mais. Medo inexplicável. Medo que a consumia há tempo. Engraçado é que nem o medo era mais medo, era rotina. Engraçado é que ela sempre via a montanha russa. Passava pela montanha russa. Observava os trilhos da montanha russa. Temia junto a montanha russa. Imaginava qual o sentimento que a acometeria quando estivesse lá no alto, suspensa e imersa em seu terror. Um arrepio lhe inundava a espinha. Avistava novamente a montanha russa com olhos ressentidos e com a alma encharcada de amargura, desgosto. Era isso. Medo. E passava o tempo, mas o tempo não passava. E passava o tempo e o medo não passava. E passava o tempo, simples assim. Montanha russa. Voltou a menina que nunca partira à presença de sua adversária. Refletiu. O que a impedia afinal? Olhava a montanha russa e seus loopings e suas voltas e seus nós e suas contradições e suas mentiras e seus desatinos e sua magnitude. Seus? Da montanha russa ou da menina? De ambas. Identificaram-se afinal. Ambas implacáveis, frias. Eram assim, monstruosas... Trilhos tortos. Seria o único jeito de vencer, morrer? Não. A solução era descobrir-se e descobri-la. Ela e a montanha russa. Lágrimas, tremores, raiva, ódio. O mundo já não existia. Nem o universo, nem galáxias, nem dimensões. Eram só ela e a montanha russa. Sentia-se viva apenas por decorrência de seu ritmo cardíaco frenético, maníaco, infinito. Não havia mais luz, quiçá trevas. Havia ela, o medo que a dilacerava, a raiva que dilacerava o medo, a montanha russa que dilacerava a raiva e a dúvida se haveria vida após a morte. Morte de quem? Da menina ou da montanha russa? De ambas, afinal eram uma só. Ambas insanas. Montou na cabine que a levaria a luz. Nunca experimentara algo assim, mistura do inexplicável, incontável e indescritível. Foi então que começou a corrida contra o tempo. VRUUUUM. O carrinho partiu e com ele a menina e sob eles a montanha russa. Confuso. Mistura de estase, ódio. Porque estava ela ali, impotente em relação ao carrinho, ao medo. Não tinha volta. Veio o primeiro looping, o estômago já não existia. Vomitava borboletas, comia os cabelos que voavam conforme o vento decorrente da velocidade do carrinho. Que sensação. Pouco a pouco ia em direção a luz... Verde, branca... Luz. Afinal sentiu paz. Paz. De repente atravessou a luz. Sentiu o desespero do alívio. Sentiu o vento sanar. Olhou para trás. Sentiu o carrinho frear lenta e estranhamente. Lá estavam ela e a montanha russa. Acenou. TRIM, TRIM. Era o som nauseante do despertador. O coração tentava desprende-se da carne. Afinal foi sonho? Tomou banho, aprontou-se. Saiu correndo pelas ruas, em direção ao parque de diversões, ilusões. Chorava um choro bom. Avistou- a de perto. Quem? Sua imagem e a da Montanha russa. Entrou no carrinho, mergulhou no carrinho. Qual seria afinal a sensação? Três, dois, um. Vruuuum! Sentiu o carrinho acelerando. Que alívio! Afinal a menina era russa e a montanha era menina.

 


 

Voe

           Acho que todos nós buscamos um ''ponto de paz'', ou seja, algo que nos acalme, que nos traga serenidade, equilíbrio. Seja esse ponto de paz uma música, um lugar, religião, crença, mantra ou uma pessoa, é algo crucial que quando ausente, incomoda; afinal, mesmo que inconscientemente, quem não almeja a paz? Há certas coisas que o físico, o material tende a não poder nos proporcionar. Entretanto, vez ou outra, enganamos a nós mesmos tentando substituir o metafísico pelo palpável. Mas logo a alma acorda e a onda de euforia proporcionada pela substituição, cessa. Enfim, o que te faz equilibrado é realmente essencial? Ou é apenas tentativa de se enganar? É provável que quando a substituição do essencial pelo banal é notada e aos poucos sanada, cheguemos à conclusão que na maioria das vezes o ponto de paz está presente em nós mesmos.

Mudez

                É engraçado quando paramos para refletir sobre o número de vezes que construímos, decoramos e ensaiamos discursos, respostas, textos, pedidos, falas, mas no fim, acabamos não tendo coragem o suficiente para usá-los, dizê-los, gritá-los... Aí, depois de perceber que não tivemos a coragem necessária para exteriorizar o que era preciso, vem a frustração, a vergonha, a raiva. E como consequência dessas situações agoniantes começamos a interiorizar os discursos não ditos e todos aqueles sentimentos cinzentos que acompanharam a covardia. No fim nos tornamos mudos, pois tudo que dizemos não passam de meias verdades, vazios lexicais. Morremos aos poucos quando tal quadro se estabelece. Por isso, diante de tal situação ou literalmente vomitamos tudo que está amontoado caoticamente em nosso íntimo deixando a covardia de lado, ou morremos em vida, tendo de conviver diariamente com um falso ''eu'': apático, derrotado, infeliz. Cabe a cada um decidir se vale a pena deixar o medo de errar se sobrepor à nossa verdade interior.

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

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"O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece." Manuel Antônio de Almeida

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