Sinestesia da morte

Enxergou seu reflexo no fundo turvo da xícara de café. Aquela visão era quase uma denúncia do estado sombrio e amargurado de sua alma que aos poucos se desfazia em borras. Já não havia forças para lutar contra a taciturna realidade. Debruçou-se sobre a mesa carcomida, derramou lágrimas que já não eram transparentes eram cor de várias estações. Inverno, inferno, inverno. Morreu em vida. Deu continuidade ao seu destino, decompôs-se dia a dia, acostumou-se ao fedor, à palidez, ao café amargo diário. Acostumou-se ao café gélido, ao seu corpo gélido. Colocou a água para ferver, colocou o pó no coador envelhecido, despejou a água gota por gota, lágrima por lágrima, sobre o pó, sobre a terra, sobre seu corpo descomposto. Bebeu o líquido devagar, sentindo a angustia do amargor. Digeriu-se por completo, percebeu que o café estava amargo demais, como sempre... Buscou por açúcar. Dirigiu-se num ritmo frenético e sombrio ao pote onde jazia sua última esperança. Tarde demais, o pote já estava cheio de baratas assim como seu corpo, no fundo da terra, no fundo da xícara de café.

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

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"O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece." Manuel Antônio de Almeida

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