Cordas

Tudo em minha vida estava completamente bem. Talvez fosse esse o motivo de minha inquietude travessa e desnorteante. Todos os quadros estavam corretamente encravados nas paredes, lineares, simétricos, perfeitos. Era como se eu vivesse de atos impecavelmente ensaiados, como se eu recitasse falas minuciosamente escritas por classicistas. Até mesmo meus olhares eram regrados. Tudo milimetricamente em seu devido lugar. Era exatamente nesse cenário que o conflito se fazia real: naufragada nessa ordem descomunal estava a minha e só minha desordem. Nada daquela realidade fazia sentido a mim. Era como cantar ciranda e tocar o minuete. Vez ou outra eu me encontrava volvendo no balanço velho de uma árvore qualquer e percebia a tontura tomando conta de mim. Sentia um vento frio emaranhar minhas negras madeixas, sentia o vendo frio congelar meus sonhos de modo a me transformar numa pacata marionete presa pelas cordas de um velho balanço de madeira de uma árvore qualquer. Tudo estava completamente bem, era o que eu respondia quando me perguntavam como andava a carruagem. Se ousasse confessar que as notas se faziam dissonantes em minha partitura era repreendida instantaneamente. Era essa minha sorte: fazer o que me foi incumbido antes mesmo do meu nascimento. Vez ou outra corria àquela árvore qualquer para sentir o vendo varrer minha extensão corpórea, corria para sentir os raios de sol ternarem meu coração, para sentir alguma espécie de liberdade. Tolice! Por mais que eu girasse nunca sairia do lugar, as cordas eram implacáveis. Eu então voltava ao meu palco, acompanhada das minhas lágrimas. Tornava a recitar minhas falas e a atuar. Por mais que passassem as estações não havia como fugir, já tinham escrito tudo por mim, inclusive o ato final.

Inspiração

‘Quanto tempo’! Falei ao faceá-la inesperadamente, afinal há muito tempo minha velha amiga se fazia ausente... Era obvio que eu não queria evidenciar meu estarrecimento... Não queria expor minha satisfação ao presenciar seu espírito enaltecedor. Meu coração pulsava euforicamente chegando a descompassar entre um e outro suspiro. Era uma sensação indescritivelmente magnífica, faltava-me não só o ar, mas também a partitura que regia minha sinfonia. Era bem provável que vez ou outra ficava evidente a sinestesia doce e melódica que sua presença causava em meu pacato ser. Confesso que os momentos ali, com ela compartilhados, fizeram meus olhos brilharem verdadeiramente, fizeram meus pés desfalecerem sob um chão que num piscar de olhos se assemelhou a mais volátil núnvem vagante. Finalmente todo o ‘clichesismo’ romântico e sentimental se fazia válido a mim. Foi então que me entreguei de corpo e alma a ela. Distensionei os grilões que me limitavam. Libertei-me, passei então a viver essencialmente. Nunca mais esquecerei o dia em que você Inspiração iluminou minha vida que até então se fazia dissonância amarga e incoerente. Fico agora com a euforia de quem encontrou o mais doce perfume nas pétalas de uma rosa qualquer. A vida não mais em preto e branco enxergarei, pois terei você ao meu lado, presente durante todos os meus versos, estrofes e poemas, durante todas as estonteantes letras do meu viver.

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

About Me

"O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece." Manuel Antônio de Almeida

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