Sonhar de cor e salteado

Já tive tantos sonhos que já sei sonhar de cor e salteado. Se sonhar levasse a algum lugar talvez já tivesse percorrido o mundo todo. Já sonhei com o possível e o impossível, mas nenhum desses sonhos chegou a se concretizar. Também não fiz muito para que se tornassem realidade. Talvez seja hora de esquecê-los ou persegui-los com total ferocidade. Acho que tenho vergonha dos meus sonhos, afinal, não era esperado que esses fossem tão filosóficos. Se for pensar, não escolhemos sonhos, eles nos escolhem. Parece que meus sonhos me escolheram por engano, essa alma de poeta anda desacreditada demais para perseguir algo tão vago. Há os que têm coragem suficiente para tentar neles acreditar, mas eu não. Fui tomada pela covardia e agora tenho que com ela conviver, até... Até que a coragem resolva bater à minha porta.

Boa noite

Passo horas pensando como seria se eu fosse alguém que não sou... Passo horas imaginando se seria tão ruim ser quem querem que eu seja. Passo horas tentando me conformar em idealizar um "eu" que é feito da idealização alheia. Passo horas tentando aceitar, engolir, incorporar esse "eu" conservador, este eu que insistem em construir as custas de quem pensam que sou. E quanto mais as horas passam, mais odeio essa idealização repleta de capitalismo barato, ou seria caro? Tento então acreditar que fazem isso porque querem o melhor pra mim, e sei que querem. Mas se querem tanto o melhor pra mim porque insistem em não acreditar nos meus sonhos? Como posso ser feliz se tenho que de cinco em cinco minutos enterrar a milhões de metros do solo o que realmente quero? Eu quero é fazer com que os olhos das pessoas brilhem ao lerem minhas palavras provenientes de lágrimas ou risos. Eu quero subir em palcos e ser quem não sou apenas por arte. Eu quero declamar meus poemas no topo do maior edifício do mundo. E quero que as estrelas brilhem mais forte ao me escutarem falar de amor. Quero filosofar livremente e fazer da minha filosofia arte que embala corações apaixonados. Eu quero ser o que nasci para ser: aquele que transforma palavras em inspiração. Quero transformar o surreal em poesia, quero fazer da angústia rima quero fazer dos sonhos melodia, quero transformar minhas histórias em fantasia, vivendo assim, a vida que eu quero viver, sendo enfim quem eu tenho de ser. E se sozinho no final hei de ficar ainda tenho guardado em meu peito cada verso das minhas histórias vivendo, portanto não de arrependimento, mas sim de orgulho por ter escrito a minha e só minha história. Como hei de viver sendo quem não sou? Não posso viver uma vida que não é minha. Não posso ser para sempre quem não sou não posso trair minha alma, não posso me enganar para sempre, mas também não posso decepcionar quem me ama mais que tudo e que todos. Acho que tenho que tomar uma decisão. Para quem assiste ao drama nas coxias da minha vida pode até pensar que é fácil a decisão a se tomar. Mas aqui dentro, bem onde mora a sanidade e o bom senso é difícil escolher. O que hei de fazer? O que hei de fazer? Ah chega de perguntas sem respostas por hoje, é melhor que eu durma e sonhe com uma conclusão... Dizem que com o sono vêm as respostas. É melhor dormir, é melhor dormir. Boa noite durmão bem.

Sonhos pra que te quero?

Acho que seguir nossos sonhos virou questão comercial. Se esses tais sonhos forem dignos de atraírem cifras sob cifras quando realizados são plausíveis. Já os sonhos que não envolvem números são apenas devaneios adolescentes devendo ser enterrados e esquecidos. É assim que funciona e pronto. Não ouse contestar se consigo anda o medo de não ter um teto sob sua cabeça pensante e entusiasta. Os que têm os sonhos capitalistas podem se vangloriar afinal tiraram a sorte grande estando, portanto, fadados à felicidade e à realização. É parece que os sonhadores de plantão (os que sonham sem amarras) devem se adaptar à compacta e hipócrita forma da atualidade: sonhar apenas com o concreto e digno de cotações. Arte, filosofia e inspiração? Muito cuidado! São aceitas apenas se agradarem alguns endinheirados que aceitem comprar um pouco de essência, que aceitem comprar pensamentos a números, apenas por diversão.

Amor agua e óleo

Eu sinto saudade de quando amor era amor. Hoje em dia amar virou banalidade. Duas pessoas
se conhecem, encontram gostos em comum e pronto, se amam. Um amor aguado, ou melhor, um
amor água e óleo. É isso mesmo, água e óleo: sem integração, sem envolvimento, sem harmonia entre si. Esse é o típico relacionamento onde as únicas afinidades podem ser comparadas àquela única película que fica em contato entre a água e o óleo. Está ai, basta um pequeno contato, (mesmo que todo o resto esteja separado) para dizer: É AMOR! Chego a ficar nauseada. Mas deixe que se iludam em estar juntos mas não serem uma unidade. Para mim amor é a fundição completa entre dois corpos, ideais, sentimentos e não apenas o contato entre duas partes onde não há ao menos harmonia. É, parece que os valores estão se deteriorando, parece que sentir verdadeiramente o mais nobre dos sentimentos virou piada... Entretanto ainda acredito que haja os que amem essencialmente, ainda acredito que existam aqueles que amem amar.

Solilóquio

Tenho o papel (alvo), a tinta e a pena. Pena de mim pois por mais que tente não acho o que mais preciso. Monólogo inútil e desprezível. Ainda mais desprezível é sentir pena de si mesmo. Mas é o que sinto pois quando escrevo não sou eu quem me ocupo em ser. A alma de poeta, escritor transfigura-se e pronto. Ou melhor, ponto. E daí em diante é só deixar fluir a inspiração, não há calculo, raciocínio quiçá planejamento (particularmente). A problemática no entanto reside na ausência da inspiração. Note que digo inspiração, não dom. Será este um pensamento egocêntrico? Não ligo! Ora, não ligam pra mim, logo porque devo eu ligar para o possível sentimento alheio? AH, é melhor que eu pare por aqui afinal falar de sentimentos envolve muita complexidade, ao contrário da escrita; complexidade patológica eu diria, beirando a loucura, a falta de razão. Fico eu com o papel (não mais alvo), também não digo que este turvou-se com utilidades e filosofia e digo isso com o intuito de massacrar possíveis expectativas. Fico também com um resto de tinta, que será combustível ao transformar pensamentos em algo palpável. Já a pena, ah! Não quero deixar-me perturbar com essa pequena plebéia. Monólogo inútil!

Parece que as palavras resolveram fugir de mim. Fico com as básicas, questão de sobrevivência. Sem mais.

Geração Hi-Tech

À geração dos moletons banhados em cores e elevados a artigos de luxo por etiquetas note- americanas produzidas por mãos de pele amarela, viva! À geração que se nutri de química, se alimenta com gigas de virtualismo e se rotula culta por saber decorar arrobas de futuros esquecimentos, viva! À geração que é forte aliada e combustível do capitalismo (e que diz deleitar-se dele), viva! À geração americana não por natureza, mas sim pela idealização de uma falsa beleza; cujos lucros tanto alimentam quanto matam de fome milhares de pessoas, viva! À geração hi-tech que se alegra em carregar nos seus cartões de crédito, o tão idealizado poder de consumir, de deter, de ser, viva! Mas que ironia! Uma geração cujo ouro resume-se em plástico codificado! Uma geração que é escrava de números, de especulações, que é escrava de ilusões. Uma geração onde quem produz, mas acima de tudo, quem detém, é rei, quem critica ou é louco, ou jornalista ou é de... Bem, esquerda, direita, tudo se resume na mesma insatisfação de trabalhador burguês. E quem não se adéqua a essa geração é indigente, é índio, não gente. Indigente (e depois publicam, enlevam, extasiam a democracia atual), viva! É melhor que minha boca falante fique quieta antes que alguém me descubra. Antes que eu não tenha chance de me adequar. Antes que o teto sob o qual eu vivo seja retirado de mim.Viva à geração Hi-Tech!

Anônimos

Rompendo sua mente de mais uma viagem ao inconsciente despertou. Ao desconectar a pálpebra inferior da superior fez careta. Olhou no relógio de pulso com tela trincada que ficava sobre seu criado mudo, parcelado em trinta e seis vezes sem juros, era cinco e meia da manhã. Hora de levantar, afinal a rotina burguesa não admite falhas e exige perfeição digna de maquinário pesado. Sentou-se na beira da cama, bocejando uma, duas, três vezes. A tentação era grande: uma cama de tubos, com um calço de madeira em um dos pés. Colchão remendado, manta que não cobria toda a extensão corpórea de seu portador. E confesso-lhe, aquilo tudo era como oásis no deserto para quem não estava acostumado nem com um teto (mesmo que
de latão), sob sua cabeça.
Levantou tropeçando nos resquícios da preguiça que ainda lhe envenenavam. Deu um tapa rude no rosto curtido pelo sol. Resmungou algo que não entendi muito bem, algo que calhava como "Pobre não tem preguiça, nem fome, nem sono". Lavou as mãos numa bacia de ferro, descascada, reduzida à tralha por algum rico que a descartou, elevada a pia por ele, que a achou. Passou as mãos grossas em sua face, rompendo de vez com a revolta matutina que todos os dias o impedia de pensar "hoje vai ser diferente". Trocou de roupa. Não tomou banho, afinal, água encanada por ali era lenda urbana. Comeu um pedaço de pão velho que descansava sobre a mesinha de madeira de seu imóvel cúbico. Engoliu seco. A próxima refeição seria apenas após as duas horas da tarde, se alguma alma generosa compadecida de um pobre coitado lhe cedesse um prato de comida. Pegou a bicicleta, que demorou um ano pra comprar, coisa simples, pneus que juravam ter sido careca a vida toda. Saiu de sua mansão empurrando seu meio eficiente de locomoção. Fechou a mansão. Olhou ao redor, uma náusea fez com que seu estômago fingisse pesar uns dois quilos. O cheiro de lixo era forte por ali.
Montou no veículo de tração nas... duas rodas e pedalou. Pedalou por vinte quilômetros até o centro da cidade. Chegou no trabalho já sob o efeito do pouco açúcar circulando no sangue. Guardou a bicicleta no canteiro de obras. "Bom dia zé". "Bom dia zé". "Bom dia zé". Por ali todos eram zé, condenados à uma vida inteira de anonimato perante o resto da sociedade que diz ser superior, baseada em diplomas, diplomas estes transformados em sonho de consumo almejado pelo padeiro, pelo pedreiro e pela balconista da mercaria da esquina. Pobrezinhos, mais uma vez foram induzidos pelo capitalismo, que até isso transformou em comércio.
Milhões de esperançosos "zés" condenados à miséria da ausência de berço próspero, curso superior, casa de alvenaria... Reduzidos até no nome. Anônimos.

Sem retóricas



Que eu não mais espere... Apenas faça. Sem ilusões, sem
piedade de mim mesma. Que eu faça o que for necessário, e nada mais. Livre de emoções. Beirando a frieza. É desgostoso
um pensamento tão arbitrário, mas eu sei que se assim for...
Bem, se assim for não haverá mais desilusões, lágrimas, pesares.
Só haverá o: está feito, e nada mais. Almejo um dia que minhas
emoções abram caminho para que a razão seja o combustível que
mova meu ser. Um dia em que flores sejam apenas flores. E ponto
final. Sem retóricas. Sem poesia.

Beijo Venenoso

Era meia noite de sábado, eu aguardava no meu velho salão que mais parecia cenário de filme de terror: uma cadeira bamba, carcomida por cupins, janelas ruidosas emolduradas por cortinas bordadas por teias de aranhas. Lá fora, chuva torrencial seguidas por trovões. Meu coração, gélido, esperava por você. Os segundos eram lentos comparados a meu ritmo cardíaco. É chegada a hora clímax: você, e sua perfeição incompreensível adentram o salão sombrio. Você grita meu nome, “Melanie!”. Eu tinha certeza que você viria, afinal, era louco por mim. Toco pela última vez seus lábios de mel com um beijo venenosamente suave, em seguida, rogo-lhe meu feitiço. Seus olhos cor de água marinha estreitam-se, um ruído incompreensível sai do fundo de seus pulmões. Deixo agora a missão em suas mãos.

“Não sei o que aconteceu comigo, só me recordo que a partir daquele sábado chuvoso não sou mais o mesmo. Sinto em abandonar vocês, que tanto me amaram, mas lutar contra o amor é burrice. Sinto que Melanie é a mulher da minha vida, e agora preciso de um tempo só com ela. Por favor, compreendam-me, com amor, Max.”

Domingo, uma e meia da manhã: o corpo de Max é encontrado pela polícia na beira da estrada que levava ao Salão dos Magori. Alguns dizem que, até hoje, quem passa por ali, pode escutar uma misteriosa risada feminina vinda de algum lugar desconhecido. Já dizia o velho ditado: “Há pessoas que se envolvem com quem não devem, outros se envolvem com quem nunca deveria ter existido”.

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

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"O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece." Manuel Antônio de Almeida

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