Cores do distante porvir

Ela era, sozinha no mundo real, não tinha amigos, quiçá família. Talvez fosse o exemplo vivo de solidão, quem sabe, a solidão em si. Na rotina monocromática de sua vida tudo era perfeitamente repugnante, não havia sequer um acorde melódico, ou um por do sol radiante, apenas tempestades seguidas de trovões e raios avarentos. Era assim, não havia nada a se fazer perante o destino da pobre donzela abandonada por seu próprio conto de fadas. Ela não gostava de filosofar muito sobre o assunto em questão, de certa forma evitava mergulhar fundo na melancolia, pulava a vida, como quem pula uma pedra irritante no meio do caminho. O engraçado era que dentre os versos de poema sombrios e perversos que a cercavam havia sonhos extremamente peculiares, havia um esboço da construção de um mundo melhor. Não digo que a idealização citada era repleta de cores vivas e calmaria, digo apenas que ali existia um porvir. Ela desenhava seu futuro em folhas amareladas e carcomidas por lembranças ressentidas, por um presente entediante, por uma realidade borrada de lágrimas. O importante é que ali, naquela aquarela ressecada pelo tempo existia vida enrustida. Foi assim, pouco a pouco que a menina cigana foi enraizando suas verdades e anseios, desenhava, desenhava, desenhava, até adormecer, e com suas caricaturas sonhar, fazendo-as reais. Às vezes, em noite obscura e fria, ela rasgava uma ou outra folha, deixava de libertar alguns sonhos brilhantes, reflexos de esperança, outrora juntava os pedacinhos desprezados no chão irregular e assustava-se ao perceber que em sua face havia bordado um envergonhado sorriso. E foi assim, que a caricata personagem deu vida a sua própria vida, desenhando sonhos em papel embolorado, desenhando o seu futuro com sorrisos tortos. Chegou a descobrir que atrás da montanha queimpedia o sol de brilhar em sua vida, havia um porvir. Hoje a ex menina, agora mulher, caminha pelo meio fio de uma trajetória qualquer, pois para ela não há limites impedindo-a de escalar os rabiscos da nossa curiosa existência, pois hoje seus desenhos são repletos de cores vivas, pois hoje ela faz parte de seu conto de fadas, mesmo que não haja somente perfeição esboçada.

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

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"O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece." Manuel Antônio de Almeida

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