As quatro estações.


Verão de 1920.
O dia estava lindo, eu me lembro muito bem. Os pássaros cantavam alto, as borboletas dançavam conforme o vento as carregava. Estávamos lá, eu e ele,
sentados no banco em frente do jardim de nossa casa recém comprada. Éramos recém casados, e nos amávamos tão intensamente, tão verdadeiramente que fica difícil de descrever. Ele vestia sua farda verde, e em cima de seus cabelos negros e cacheados o chapéu com um distintivo verde e amarelo. Eu gostava de me arrumar quando ele estava em casa. Meu cabelo curto estava impecável, uma blusa de seda com botões de pérola, saia no joelho e sapatos lustrados. Estávamos olhando o pôr do sol, talvez o mais bonito da minha vida, e da dele também. Vi que ele estava
inquieto enquanto mexia no bolso esquerdo, eu fingi que não reparei, fiquei olhando para o fim da rua, absorta em minha felicidade. Senti um toque de leve no pescoço, olhei rapidamente e encontrei seu olhar, escutei sua voz cantada sussurrar no meu
ouvido "Isso é para você, meu amor, pois você é o bem mais precioso que tenho na vida, o sol mais radiante que posso contemplar, a flor mais delicada, a jóia mais perfeita, a luz do meu olhar". Enquanto eu processava aqueles versos de poema tão bem recitados, lágrimas de felicidade varriam meu rosto. Ele tirou da caixinha um colar de rubis, o mais perfeito que eu já vira. Com suas mão delicadas prendeu-o no meu pescoço. Eu o beijei ternamente, enquanto o sol cedia seu lugar para a lua brilhar.

Primavera de 1930.
Era o dia do nascimento do nosso primeiro filho, eu queria uma menina, e ele um menino. Eu sentia as dores do parto enquanto ele segurava firme minha mão, eu sabia que podia contar com meu marido, eu me sentia segura com ele ao meu lado, enquanto eu estava sentada na poltrona, segurando minha enorme barriga, gotas de suor pingavam, eu sabia que ele estava preocupado e extremamente empolgado com o nascimento. Passei a mão no meu pescoço, senti o colar de rubis na ponta dos dedos, me lembrei do quanto o amava, de como ele era perfeito para mim. Olhei fundo nos olhos dele e disse "Eu te amo, para sempre". Ele retribuiu meu olhar, me beijando na testa. Horas depois, do lado de fora da sala ele pode escutar o choro forte do nosso filho, eu não
me continha de tanta felicidade, alguns instantes depois mais um choro forte, era uma menina,
tão linda quanto o primeiro. Como fui eu abençoada, minha vida estava perfeita. Depois fui para o quarto, e segurei meus dois filhos, um de cada lado. Ele olhava para sua família agora completa, e acariciava os recém nascidos delicadamente. Olhei para fora, e vi pela pequena janela a lua cheia brilhar, assim como os meus olhos, maravilhados.

Outono de 1940.
As folhas amareladas caiam das árvores, as crianças já crescidas corriam no jardim,
e, como todos os domingos eu e ele sentados no banco, agora cor de várias estações. Os gritos
animados e as risadas inocentes dos nossos filhos eram tão gostosos de apreciar... Já estava quase escurecendo, quando ele disse baixinho para mim "Você se lembra ? Foi aqui que eu fiz juras de amor para você, e agora com nossos filhos crescendo, meu amor por você é ainda mais singular, só posso te agradecer por você fazer parte da minha vida". Eu o abracei fortemente, ele passou a mão no meu colar, as pedrinhas cor de paixão simbolizavam nosso amor. Ficamos ali por mais algum tempo, as folhas caiam das árvores, as crianças tentavam pegá-las ainda no ar. Eu encostei minha cabeça no ombro dele, segurando firme a sua mão.

Inverno de 1970.
Os nossos filhos haviam crescido e se casado, cada um já tinha sua vida, e eu tinha a minha. Agora eu estava solitária, sentia a dor de sua presença não mais poder sentir, de sua voz não mais poder ouvir, de seu olhar não mais poder apreciar. Estava frio demais lá fora, estava frio demais aqui dentro, estava frio demais dentro do meu coração. Mesmo assim, lá fora parecia tão mais atraente. Eu vesti meu casaco grosso, fui ver o pôr do sol. Sentei-me no nosso banco, tão antigo , o vento me congelava, mas ali eu sentia sua presença. Coloquei minha mão sobre o meu pescoço, senti as pedrinhas brilhantes, senti seu cheiro ali, senti seu calor. Acho que pude escutar você sussurrando aqueles lindos versos no meu ouvido, aqueles que eu sabia de cor: "Isso é para você, meu amor, pois você é o bem mais precioso que tenho na vida, o sol mais radiante que posso contemplar, a flor mais delicada, a jóia mais perfeita, a luz do meu olhar".
Fechei os olhos com a minha mão ainda segurando a jóia, adormeci, enquanto via pela última vez o sol cedendo lugar para a lua brilhar.

6 comentários:

kel 11 de outubro de 2009 às 22:43  

Meu Deus!! Eu eu que pensei que seus textos já tinham atingido a perfeição!!
Perfeito. Tocante. Parabéns!!
Beeijos...

Anônimo 11 de outubro de 2009 às 23:14  

FOI O TEXTO MAIS LINDO QUE JÁ LI EM TODA A MINHA VIDA. SUA SENSIBILIDADE É MARCANTE E AS PALAVRAS FLUEM DE MANEIRA NATURAL E TOCANTE.

Anônimo 13 de outubro de 2009 às 08:08  

Primeira vez que eu venho aqui. Me encantei com seu texto, a delicadeza, a forma de tratar cada cena, cada situação. Grande futuro, parabéns! :)

Carol Lobo 20 de outubro de 2009 às 17:20  

Brilhante!

Unknown 20 de outubro de 2009 às 17:23  

Olhe só isso, muito bom seus poemas.
Magnífico!
Super beijo.
=))

Unknown 20 de outubro de 2009 às 17:23  
Este comentário foi removido pelo autor.

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

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