Ligação desconhecida


Silêncio do outro lado da linha. Ela ali, segurando seu celular rente ao lado
direito do delicado rosto. Era uma chamada perdida, número desconhecido, ela
não fazia a mínima idéia de quem era. Parecia distraída esperando por uma resposta
do outro telefone. Andava de um lado para o outro, um pouco impaciente, quem sabe?
- Alô ? - Eu respondi, despreocupada, era apenas mais uma ligação na minha vida,
sem motivo, apenas mais uma simples ligação.
- Alô, quem fala ? - A menina esboçava pressa na sua voz persistente.
- Com quem gostaria de falar ? - Eu não deixaria meu nome escapar tão fácil assim, afinal aquilo poderia ser alguém, me descobrindo. Construí minha personagem, seria uma senhora, de voz doce e afetuosa.
- Ah.- Ela balbuciou- Aqui é a, Eduarda. É que tem uma chamada desse número aqui
no meu celular, e, bem eu gostaria de saber se alguém daí me ligou...
Então Eduarda era seu nome, era imponente. Eu precisava dizer meu nome,
qual sería o escolhido desta vez ? Precisava ser o mais natural possível.
-Olha, eu moro sozinha querida, e a velhice está tomando conta dos meus neurônios,
sabe como é?- A respiração dela pareceu ficar mais desregulada.
-Sim, me desculpe, então a senhora deve ter me ligado por engano. Qual teu nome ?
Eu sabia que ela faria essa pergunta, eu tinha experiência no que fazia.
- É Beatriz, desculpa o incomodo meu doce, deve ter sido engano. - Tenho certeza que ela sentiu pena de mim nesse momento.
-Magina. A senhora mora sozinha mesmo ? - A jovem pareceu se arrepender após fazer esta pergunta. Ela devia me achar vulnerável demais para viver sem compania.
-Sim. Na realidade minha filha caçula que morava comigo se casou mês passado, e passei a morar sozinha.
-Mas não é perigoso demais? - Ela realmente tinha caído na armadilha.
-Não sei, já não posso julgar o que é seguro e o que é perigoso, meus pensamentos andam tão confusos. - Fingi um suspiro pesaroso no final da minha fala.
- Pode parecer estranho, mas, porque a senhora não me dá seu endereço, eu ando tão entediada ultimamente, e a senhora parece estar meio solitária.
Se eu fosse uma pessoa boa teria sentido dó. Eduarda, o significado desde nome eu sabia bem: próspera, guardiã. Mas eu não era boa, e não senti nenhuma compaixão daquela que, pelo menos por pouco tempo, queria ser minha guardiã.
-Você parece ser uma mocinha muito generosa. Espere só um momento, vou pegar o papel onde está escrito meu endereço. Você espera?
-Sim, claro, pode procurar com calma dona Beatriz.
Eu fiz barulho abrindo a gaveta do meu cômodo velho, peguei uma folha, para que os sons parecessem reais.
-Achei, você pode anotar ?
-Sim, já estou com caneta e papel nas mãos. - A voz dela, de repente, pareceu vigorosa.
-É Rua das Lembranças, número 163.
-Certo, e só mais uma pergunta Dona Beatriz, que cor é a sua casa, fica mais fácil para encontrar assim.
-Espera, com quem eu estou falando mesmo ?
-Com Eduarda, a senhora não se lembra? Eu ia fazer uma visitinha, ai na casa da senhora.
-Sinto muito mocinha, mais eu não conheço nenhuma Eduarda. - Desliguei o telefone, e sentei novamente na minha cadeira de balanço. Ela apenas escutou o pi, pi, pi, da ligação terminada no celular. Deve ter ficado confusa, um pouco impaciente, quem sabe?

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Não há sentido em decifrar o que há dentro de cada um. Cada cenário diz respeito apenas ao ator que o utiliza como meio de brilhar, imaginar, como ferramenta para existir dento de si.

Aline Ribeiro Cunha.

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"O coração da mulher é assim; parece feito de palha, incendeia-se com facilidade, produz muita fumaça, mas em cinco minutos é tudo cinza que o mais leve sopro espalha e desvanece." Manuel Antônio de Almeida

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